Não teria eu saído de portugal alguma vez e tudo o que conheceria de comida seria a típica portuguesa e a comercial chinesa, comecar a cozinhar foi primeiro uma necessidade depois veio o gosto e com o conhecer de novas cozinhas a paixão e trabalho.
Sou da geração que tem como obrigação saber cozinhar e fazer todas as outras tarefas domésticas.. lembro-me da primeira vez que cozinhei, frango estufado a minha mãe trabalhava pela primeira vez a horas não compatíveis com o jantar de familia e sendo a outra única mulher, adolescente na altura, na familia passou a ser minha função providenciar refeição para todos. Segui as instruções deixadas pela mãe mas o único passo que seria de fazer 'a olho' falhou e o resultado foi um frango estufado com alguns 5 litros de caldo.
Não tenho muitas memórias desse verão nem sei se voltei a cozinhar naquela altura, a memória seguinte é a de quando estudava no secundário.. quartas e sextas seria dia de vir para casa às duas da tarde e se o almoço não agradasse punha um taxo ao lume e quase sempre fazia esparguete com salsichas, salsichas hoje não as como e esparguete é a massa menos favorita. Venho de uma familia onde se cozinha bem e os almocos de domingo são sempre uma perdição mas por ser boa aluna as minhas atenções nem por isso estavam viradas em aprender, tenho boas lembranças de ver a avó de lenço na cabeça a fazer a massa do pão e folar, acender o forno a lenha e cozê-lo, lembro-me da técnica de saber se o pão estaria pronto: bate-se no fundo e deve ouvir-se um som semelhante a pão pão, também havia a superstição de que não se podia cortar a faca pão parte da fornada se ainda houvesse pão a cozer, tradição do passado pois hoje em dia o pão é comprado mas na memória fica o abrir da bôla à mão verter azeite caseiro e polvilhar açucar em cima sabor dos deuses que ficará sempre na memória.. A tia Nela, 10 anos mais velha ensinou-me a limpar a casa, lavar a loiça, e pastelaria. Fim de semana seriam dias de fazer bolos, sobremesas e uma vez em outra pizza caseira e bolas de carne, sardinha ou atum.
2004, Ano em que ingressei na universidade, tempo de aprender a cozinhar mais do que massa e bife grelhado, telefonei à minha avó, tinha vontade de aprender a fazer o típico assado de domingo, ainda hoje me lembro da conversa, receita e da voz da minha querida avó a tentar meter em palavras o que as mãos sabiam de cor. Em comparação com os colegas de casa na altura os jantares eram bem bons mas hoje 12 anos passados não tenho tanta certeza se seriam verdadeiramente decentes.
7 anos de universidade foram suficientes para me tornar perita em cozinha tradicional portuguesa, um namoro com um português italiano abriu uma pequena janela pra mais comida italiana do que pizza e lasanha, gnocchis e massas recheadas passaram a ser comuns na ementa lá em casa.
Com a primeira viagem sem os pais fora de Portugal vieram as primeiras experiências com cozinhas do mundo.
Chegada a Madrid para uma visita de 4 dias com um amigo,o jantar foi no tailandês, sopa de frango, côco e erva-principe, tão saborosa e tão delicada. Penso que foi nesse ponto que a fome por novas culturas e comidas se tornou insaciavel.. terceiro dia visita a Toledo e o meu primeiro contacto com comida àrabe, falafel hoje em dia comum lá em casa e naquele momento nem sabia o que seria desse momento até hoje passaram apenas 3 anos, incrível o conhecimento que assimilei vivendo em Itália e Londres e a viajar pela Europa.
Primeira vez em Londres o amor à primeira vista pela cidade e a chuva de novos sabores, almoçar no busaba nessa altura foi quase orgásmico.. o perfume que vinha da cozinha, a complexidade de sabor, a textura perfeita do caril verde de frango ainda hoje um dos meus pratos preferidos. O jantar foi no Amaya restaurante indiano com estrela michelin confesso que não gostei, visita à Escócia e o primeiro jantar verdadeiramente indiano, lembro-me de não haver espaço na mesa para mais travessas, tudo o que provava sabia divinal com naan na mão a dada altura não sabia de que travessa comer, ainda hoje é a melhor refeição de que tenho memória, cheia até não conseguir respirar soube ali que aquela era a minha comida preferida.. desde ali quando houvesse escolha indiano seria.. ter amigos indianos incitou ao mergulho nesta cultura gastronómica, veio dosa massala, biryani, daal, poha e os doces indianos, tão simples em ingredientes, delicados e sabor sem igual.
Sempre que posso tento fazer comida indiana em casa e os primeiros pratos não foram de desapontar, motivação é sempre a mesma, cozinhar para aqueles de quem gosto. Escrevo este post enquanto viajo pra Portugal e 50% da minha bagagem é comestivel, trazer novas comidas a casa da avó é a minha nova satisfação. Ser chef, aprender a cada dia motiva-me, cozinhar para aqueles de quem gosto preenche-me.